Contudo, a realidade que hoje se desdobra nos tribunais de Justiça, em especial nas varas especializadas em Recuperação Judicial, sugere um cenário que contrasta, e muito, com esse discurso triunfalista

Potência ou fraude? Agronegócio mato-grossense exibe força na produção e fraqueza nos tribunais com epidemia de recuperações judiciais — caminho para uma possível Lava-Jato do agronegócio?

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Nos palanques das feiras agrícolas, nas propagandas televisivas e nos discursos de entidades setoriais, o agronegócio brasileiro — em especial o mato-grossense — é apresentado como um gigante incansável, responsável por carregar o Brasil nas costas. “Somos o motor da economia nacional”, repetem seus representantes com a convicção de um sermão bem ensaiado. Contudo, a realidade que hoje se desdobra nos tribunais de Justiça, em especial nas varas especializadas em Recuperação Judicial, sugere um cenário que contrasta, e muito, com esse discurso triunfalista.

Nos últimos anos, proliferaram-se os pedidos de Recuperação Judicial por parte de empresas do setor agrícola, muitas delas com estruturas robustas, patrimônio expressivo e, como diz o matuto, vida de rei. Não é raro que, enquanto produtores alegam nos autos dificuldades financeiras insuperáveis, mantêm-se em vida social ostentosa e propriedades a perder de vista. A população, ao observar essa dissonância, começa a desconfiar de que o instituto da Recuperação Judicial tem sido convertido — em certos casos — em um instrumento sofisticado de engenharia financeira, por vezes amparado por uma rede de advogados, magistrados e operadores do direito que sabem explorar suas brechas. Não faltam comentários ácidos, como o registrado em um vídeo que circula pelas redes sociais: “hoje só grupo grande pede isso”, “não é possível que essa empresa está quebrada” .

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O problema, porém, não é apenas moral ou estético — é econômico e sistêmico. Pequenos fornecedores, prestadores de serviço e transportadores, que não têm a quem recorrer nem fôlego para suportar os calotes disfarçados de parcelamentos judiciais, acabam arrolados em listas intermináveis de credores. Pior: se não mantêm seus cadastros rigorosamente atualizados, perdem até mesmo a chance de receber o pouco que sobra. A cadeia produtiva que sustenta a pujança agrícola, portanto, enfrenta um risco real de colapso em seus elos mais frágeis. E o que era para ser um mecanismo de preservação da atividade econômica legítima ameaça transformar-se em uma prática de enriquecimento ilícito velado.

Há, nesse fenômeno, um paradoxo cômico, digno de figurar em compêndios de economia política: se o agronegócio é, como dizem, a mola mestra do desenvolvimento nacional, pujante e moderno, por que então essa epidemia de recuperações judiciais? Estariam nossos heróis do campo simultaneamente quebrados e campeões de produção? Não se pode querer ser visto como potência exportadora num dia, e no outro como vítima das intempéries do mercado. É urgente que o setor e as autoridades jurídicas reflitam sobre os sinais que estão sendo enviados à sociedade e aos mercados: a credibilidade do agronegócio está em jogo, e com ela, a estabilidade da economia regional.

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Caso contrário, o caminho parece traçado para um novo escândalo nacional. Um observador mais cáustico poderia até prever que, se mantido esse ritmo, logo veremos uma “Operação Lava-Jato do agronegócio”, com empresários em réus e recuperações judiciais sendo revisadas sob a lente da suspeita criminal. Esperemos que não se chegue a tanto. Mas, convenhamos: já está ficando feio demais. E, como toda epidemia, se não for contida a tempo, tende a deixar rastros de desconfiança e descrença por onde passa.

Popó Pinheiro
Jornalista e Gestor Publico

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